terça-feira, 20 de novembro de 2007

Videoativismo - breves considerações

Videoativismo - breves considerações

Breves consideraçoes sobre o surgimento do videoativismo e seu desenvolvimento no Brasil.

O videoativismo é tão antigo quanto a própria história do vídeo. Talvez mais, se considerarmos as primeiras experiências estéticas e técnicas com a imagem da TV no início da década de 60, ou ainda as influências da produção do cinema russo (Vertov) e underground, sempre paralela às grandes produções cinematográficas. Mas o que impulsionou de forma definitiva artistas e curiosos a utilizarem esse suporte para registrar, projetar e experimentar outras possibilidades de uso para a imagem eletrônica, foi o lançamento de uma câmera portátil de vídeo pela Sony, o Portapack, em 1965 que aliado ao videoteipe (utilizado pelas grandes emissoras de TV desde a década de 50), e ao videocassete (lançado em 1970), possibilitou a produção de videoregistros, videodocumentários e videoarte na contramão do que a televisão veiculava comercialmente.

A grande maioria das propostas experimentais com a televisão e o vídeo têm sido associadas (principalmente aqui no Brasil, onde não houve um movimento de incentivo em relação as possibilidades da imagem eletrônica) à videoarte. E a videoarte por sua vez, acabou absorvendo esses trabalhos. Não se pode apontar um motivo: talvez por ser de vanguarda e trazer o questionamento como algo inerente a sua própria condição, talvez por apresentar a ousadia experimental de forma marcante, ou ainda por unir essas e outras características, o fato é que o início da história do vídeo no Brasil está dividido em dois tipos de práticas: produção comercial (vídeos e programas de televisão produzidos para serem veiculados em grandes corporações broadcasting) e videoarte (produção experimental exibida para um público alternativo em galerias, museus e festivais).

A história da videoarte começa oficialmente na década de 60, dentro da proposta “tardo-dadaísta” do grupo Fluxus, que tinha entre seus integrantes John Cage, Nam June Paik e Wolf Vostell. Esse grupo que surgiu no final dos anos 50, produzia obras com o intuito de provocar artistas, críticos e consumidores a questionar conceitos e categorias de julgamento, além de se apropriar das novas tecnologias disponíveis para elaborar happenings, performances e festivais. Foi no início daquela década que esses artistas começaram a se interessar pela imagem da televisão como possibilidade de intervenção estética.

Antes mesmo do vídeo tape ser popularizado, alguns artistas já trabalhavam com a imagem eletrônica num processo de desorganização do fluxo de elétrons, o que permitia a distorção de figuras na tela da TV utilizando material magnético. Outros, mais radicais, preferiam desconstruir o suporte por onde a informação visual chegava, ou seja, a própria televisão. (Em 1963 a tevê já vinha sendo usada como suporte em instalações e performances. Wolf Vostell realiza em 1961 em Paris, sua primeira “TV Dé-Collage”, que deu origem a uma série de projetos multimídias com performances e happenings onde a televisão era vista como objeto de crítica social. Em 63 ele enterra publicamente, depois de uma longa performance, um televisor remexido e destruído, todo enrolado em arames, ligado e transmitindo imagens alteradas e transformadas da televisão, durante o “Yam Festival – Festival de Performances em Nova York”).

Ainda em 1963, Nam June Paik (um coreano formado em História da Arte e História da Música pela Universidade de Munique, Alemanha, que integrava o Fluxus e estudava música eletrônica com Stockhausen), experimenta inverter os circuitos de um aparelho receptor de tevê para perturbar a constituição das imagens geradas por ele. Essa experiência acabou dando origem ao movimento que revolucionaria toda a estética da arte eletrônica do século XX: a videoarte.

Ao criar os Distorted TV Sets - que representam as primeiras imagens eletrônicas não figurativas da televisão -, Paik promove uma inversão na proposta de utilização da tevê enquanto meio de comunicação: já não se trata apenas de comunicar, mas também de refletir e explorar as possibilidades da emissão da informação audiovisual em sua forma mais pura.

Limitados pela impossibilidade de usar as inovações tecnológicas da época - restritas as grandes emissoras - até 1965 os artistas que trabalhavam com a imagem eletrônica realizavam apenas interferências diretas na tela através de imãs ou intervenções nos circuitos elétricos dos aparelhos, em exposições, festivais, instalações e performances. Mas com o lançamento da câmera de vídeo e do vídeo-gravador portáteis abrem-se novas perspectivas. Ainda que suas possibilidades fossem mínimas, o Portapak lançado pela Sony Corporation (que só permitia a gravação da imagem em P&B com fita de ½ polegada) representava uma inovação capaz de grandes possibilidades criativas. É nesse contexto que encontramos o primeiro registro de videoativismo, também protagonizado por Paik. Ele comprou uma dessas câmeras que tinha acabado de ser lançada ao mercado e gravou da janela de um táxi a chegada do Papa Paul IV à cidade de Nova York. Em seguida ele levou a fita gravada para o Café a Go Go, reduto de artistas e intelectuais da época. Além de mostrar a fita recém-gravada em tempo real, ele distribuiu um manifesto declarando que o vídeo iria revolucionar a arte e a informação.

Vale lembrar que ainda que os equipamentos de edição para o vídeo só tenham sido lançados na década de 70, a facilidade e a flexibilidade de operar a câmera e o gravador assim como a imediaticidade da exibição da imagem, trouxeram muitos adeptos para o experimentalismo com as imagens obtidas através do vídeo ainda na segunda metade da década de 60. Essas pessoas buscavam novos suportes para se expressar: músicos, artistas plásticos e cineastas do underground faziam experiências em conjunto e isolados, eles criavam novas possibilidades com a tecnologia que chegava ao mercado.

No Brasil as câmeras de vídeo portáteis chegaram no início da década de 70, trazidas por artistas de vanguarda. Assim, os primeiros trabalhos com a imagem eletrônica produzidos aqui vão se caracterizar mais pelas experiências com as possibilidades estéticas que esse tipo de suporte potencializava.

Em outros países como nos Estados Unidos foi diferente. Ainda na década de 70 artistas e ativistas políticos se apropriaram das novas mídias e criaram coletivos de produção de vídeo. O TVTV Top Value Television) foi um deles. Seus integrantes criavam documentários que eram mostrados em estações de TV a cabo em diversas cidades do país. Posteriormente outros coletivos com propostas semelhantes surgiram: a Paper Tiger TV e a Deep Dish TV foram criados na década de 80 e continuam ainda hoje produzindo e distribuindo programas sempre relacionados a assuntos polêmicos.

Outra proposta de videoativismo um pouco mais recente é a Free Speech TV, considerada uma das maiores plataformas para videoativistas dos últimos anos. A TV tem programas semanais em canais de acesso público e 24 horas via satélite na Dish Network. Ainda disponibiliza programas no site http://www.freespeech.org com streaming (transmissão ao vivo) e arquivos de vídeo.

Enquanto o videoativismo criava raízes e se consolidava nos EUA e em alguns países da Europa, aqui no Brasil essa prática engatinhava. Foi somente nos anos 80, com o início da popularização dos equipamentos de captação e edição, que os primeiros grupos de videomakers começaram a aparecer. Segundo Yvana Fechini, professora da Universidade Católica de Pernambuco, duas produtoras se destacam nesse contexto: a Olhar Eletrônico e TVDO (TVTudo), ambas de São Paulo.

Formada em 1981 por Fernando Meirelles, Paulo Morelli, Marcelo Machado, José Roberto Salatini, Renato Barbieri e Marcelo Tas (os dois últimos integrantes se juntaram ao grupo depois), a Olhar Eletrônico foi uma das primeiras produtoras a incluir produção videográfica independente na TV comercial. A proposta do grupo foi utilizar os mesmo ingredientes que produções comerciais utilizavam para desmistificar clichês e propor reflexões acerca do conteúdo que se consumia. Foi assim que surgiu o histórico personagem Ernesto Varela – anti-repórter da TV - interpretado por Marcelo Tas. Atrapalhado e ingênuo, suas reportagens buscavam uma outra perspectiva para olhar temas polêmicos. A corrida de ouro em Serra Pelada (Varela in Serra Pelada, 1984) e os problemas dos moradores de rua na cidade de São Paulo (Do outro lado da sua casa, 1986), são vídeos que desconstroem o discurso midiático das grandes redes de TV.

Entre outras marcas do grupo vale ressaltar algumas das históricas intervenções – extremamente rápidas e funcionais – realizadas por Tas na pele de Varela: “Deputado, o senhor acredita no que diz?” a pergunta catártica que o repórter fez a Nelson Marchezan, um dos líderes do PDS na época da sessão de votação da emenda Dante de Oliveira, em 1984 (rejeitada pela Câmara dos Deputados em 26/04/1984, embora tivesse recebido maioria de votos a favor -298 a 65 -, insuficiente, entretanto, para se atingir o quórum de dois terços exigido para alterações da Constituição. Faltaram 22 votos) e ”É verdade, Senhor Maluf, que o senhor é um ladrão?” dirigida ao então candidato da ditadura militar à Presidência da República, são registros de intervenções que marcaram o início da história do videoativismo no Brasil.

O outro grupo ativo nos anos 80 – TVDO - era formado por Tadeu Jungle, Walter Silveira, Ney Marcondes, Paulo Priolli e Pedro Vieira. Esses videomakers produziram o que acabou sendo chamado de “reportagens invertidas”. Inspirados na perfomance de Glauber Rocha no programa Abertura (1979/1980) da extinta TV Tupi, trabalharam com reportagens, segundo o Professor da PUC Arlindo Machado, que privilegiavam aspectos marginais ou situações paralelas ao invés do foco principal de determinada situação, como em Quem kiss TV , 1985, um documentário que desloca o ponto de vista do show de rock do grupo norte-americano Kiss para a platéia - fãs e vendedores ambulantes em sua maioria.

Ainda na década de 80 outra experiência interessante vai marcar o contexto audiovisual brasileiro: as TVs livres. Essas TVs não só produziam vídeos radicais como também os exibiam fora do circuito comercial. A TV Viva que surge em Olinda, PE em 1984, foi a primeira televisão de rua do país direcionada a movimentos sociais. Seus programas eram exibidos em um tipo de trio-elétrico audiovisual: um caminhão com telão e som que visitava os bairros da periferia de Recife. A TV Viva ainda produziu documentários para emissoras estrangeiras e algumas coberturas jornalísticas para emissoras comerciais nacionais.

Em 1986 uma outra TV livre, inspirada no movimento de rádios livres que proliferava em São Paulo, entra no ar - a TV Cubo, criada pelo mesmo grupo que organizou a Rádio Xilik (PUC-SP). Com sinal irradiado no canal 3 em SP, antes de começar a programação seus idealizadores realizaram uma interferência no som dos canais 2 (TV Cultura) e 4 (SBT) anunciando sua programação: ``tele-humanos em geral, boa noite. Pedimos desculpas mas estamos invadindo o ar de seu lar. Pedimos que sigam atentamente as nossas instruções. Está entrando no ar a TV Cubo. Mude para o canal 3 para você sacar que apesar da poluição há muita vida no ar''. Em seguida foi emitido um programa de 13 minutos, reprisado na seqüência, e um telejornal não convencional com sátiras além de uma enquete de rua que perguntava ``se você tivesse que chutar alguém, quem você chutaria?''

De acordo com a Professora de Comunicação da UMESP, Cecília Peruzzo, o Rio de Janeiro também viveu experiências de transmissão livre e de rua. Em 1990, no Dia Mundial de Prevenção da AIDS, os moradores e médicos do Posto de Saúde da favela da Rocinha transmitiram em VHF, pela TV Canibal um programa sobre a prevenção da AIDS. Há também referências da TV 3Antena, canal 8 que culminou com a prisão, pela Polícia Federal, das pessoas que estavam assistindo a sua transmissão no bar Planalto, no Flamengo. Já a TV Maxambomba, que surgiu em 1986 no Rio de Janeiro, tinha produções mais voltadas à comunidade, realizados com a comunidade e transmitidos dentro de uma proposta comunitária, focalizando os trabalhos videográficos em temas de interesse popular.


O Videoativismo hoje no Brasil

A proposta desse texto é classificar as diferentes tendências do videoativismo hoje no Brasil. De acordo com a história do vídeo, é possível separar essas tendências em três diferentes classes. A primeira delas está enraizada nos movimentos dos anos 70, surgidos nos EUA através de coletivos de vídeo citados anteriormente. A produção que caracteriza esse primeiro grupo está vinculada a uma necessidade de utilizar as mídias para dar visibilidade a grupos e movimentos sociais com muito pouca ou nenhuma expressão dentro da sociedade. È uma tendência que ganhou força nos anos 80 mas permanece ainda hoje como prática necessária para a desconstrução de discursos que promovem a perpetuação do poder vigente. Nessa categoria podemos incluir documentários e programas de TV realizados ainda dentro de determinados padrões audiovisuais clássicos, com poucas inovações formais ou ousadia discursiva.

Uma outra tendência é o trabalho realizado por coletivos de vídeo através de intervenções e ação direta na rua, espaços públicos (ou quase) e em tempo real. Nessa linha podemos inserir os trabalhos dos videoativistas/videomakers brasileiros dos anos 80 (Marcelo Tas e o repórter Ernesto Varela) e as Tvs livres, que provocavam intervenções no espaço urbano criando rupturas no processo padrão de emissão e recepção da mensagem audiovisual. Hoje esse tipo de trabalho é fato. Apresentam possibilidades técnicas mais sofisticadas e outros espaços de difusão (internet, escolas, festas e festivais) além da rua e da tv aberta. Dentre os grupos que mais têm se destacado dentro desse contexto podemos citar o MediaSana (Recife-PE) e o Feito a Mãos Belo Horizonte – MG). Podem ser incluídos ainda dentro dessa categoria, registros de ações transformadas em instalações (Bijari e A Revolução não será televisionada – São Paulo), que utilizam o vídeo como elemento e/ou suporte de registro desses atos. Todos esse grupos trabalham com uma proposta de reciclagem de mídia que pode se dar tanto por meio da reutilização de imagens publicadas em jornal, revistas e elevisão - escolhidos segundo determinados critérios estabelecidos pelos grupos – quanto por meio de captação de imagens pelo próprio coletivo que, utilizando efeitos obtidos através de softwares específicos, podem trabalhar possibilidades de conteúdos semânticos a partir de signos saturados de significados.

Há ainda uma terceira tendência - mais agressiva e que surge com as possibilidades de acesso à internet - formada por videoregistros, em sua maioria gravados em manifestações, protestos e táticas de ação direta que mostram, mais em imagens e menos em entrevistas - às vezes com um ritmo de edição bastante sofisticado - a violência da polícia, a repressão e a ação de movimentos de luta popular. São trabalhos realizados em grande parte de forma intuitiva: alguns apresentam imagens tremidas, a câmera quase sempre participa (é uma câmera subjetiva, acompanha o olhar de quem está dentro da ação e não apenas observa) e na edição o trabalho tende a cortes secos e o mínimo de recursos de pós-produção (efeitos). Nessa categoria podemos incluir os vídeos produzidos pelo Centro de Mídia Independente ( http://www.midiaindependente.org), Videohackers e Sem-Sizo.

As principais características dessa tendência incluem a instantaneidade (os vídeos são gravados, editados e postados na internet com bastante rapidez), simplicidade (não se busca um trabalho estético de composição da imagem elaborado - a iluminação e o som são captados quase sempre apenas com as possibilidades embutidas nas câmeras) e curta duração (para o arquivo ficar leve e acessível). A proposta é mostrar determinados acontecimentos que não costumam ser divulgados pelas grandes corporações midiáticas e utilizar a internet também como meio de difusão desses trabalhos, já que legalmente seria impossível utilizar a TV de sinal aberto.

Todos esses trabalhos têm funcionado como depoimentos audiovisuais, testemunhas videográficas expressas através de olhares e ouvidos subjetivos, menos contaminados pela linguagem convencional do cinema e da TV: as câmeras tremem e incomodam, os olhares não se fixam e desnorteiam, os planos às vezes são longos e o tempo se arrasta, a tela não completa a mensagem e a lógica do sistema se rompe deixando um vazio imediato às vezes seguido de um sentimento de desorientação pela falta de uso desse repertório.

Há uma geração de guerrilheiros eletrônicos invadindo a rede. São hackers, videoativistas, bloggueiros. Estão nos países da América do Sul, México, EUA, Europa, Ásia, África - não existe fronteira nem idioma que não possa ser transposto ou traduzido. A informação desinformada dos moldes padrões perambula pelas ondas eletromagnéticas, escorre entre fios de cobre e se aloja indiscretamente na indignação de milhares de pessoas em todos os cantos do mundo.

O fato é que tem um novo código surgindo daí. Aberto, livre – generosamente possível.

Referências Bibliográficas:

AZZI, Francesca. Vídeo-arte e experimentalismo: o surgimento de uma estética nos anos 60 e 70. Programa de Estudos de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica. PUC-SP, 1995. (Dissertação de Mestrado).

COHEN, Renato. Performance como linguagem. SP: Perspectiva, 2002.

CRITICAL ART ENSEMBLE. Distúrbio Eletrônico. SP: Conrad, 2001.

MACHADO, Arlindo. A arte do vídeo. SP: Brasiliense, 1988.

HOME, Stuart. Assalto à Cultura: utopia, subversão, guerrilha na (anti)arte do séculoXX. SP:Conrad, 1999.

____. Máquina e Imaginário. SP: Edusp, 1996.

____ (org). Made in Brasil: três décadas de vídeo brasileiro. SP: Itaú Cultural, 2003.

PERUZZO, M. K. Cecília. TV Comunitária no Brasil: Aspectos Históricos. in http://bocc.ubi.pt/pag/peruzzo-cicilia-tv-comunitaria.html

http://www.lipmagazine.org/articles/featrinaldo_115_p.htm

http://www.midiaindependente.org

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