segunda-feira, 26 de julho de 2010

O DOCUMENTÁRIO E A VERDADE: EIS A QUESTÃO

O DOCUMENTÁRIO E A VERDADE: EIS A QUESTÃO
Fonte http://www.telabr.com.br

Um bom documentarista, geralmente, não tem a pretensão de dizer a verdade. Chega a ser lugar-comum afirmar que é difícil encontrar "A VERDADE VERDADEIRA", que verdades dependem muito dos pontos de vista, que variam de cultura para cultura, de formação para formação, de pessoa para pessoa. Dessa forma, o documentarista trabalha com a sua verdade, buscando mais interpretar o mundo do que revelar alguma verdade factual ou fundamental.

Tudo o que aparece num documentário passa pelo olhar do realizador, pelo seu filtro pessoal: o que decide filmar, como decide filmar, por que decide filmar, o que coloca e o que tira do material na montagem, a música que utiliza, o silêncio, o depoimento que corta ou resolve manter, a voz que oferece a um narrador. Tudo isso é manipulado pelo documentarista, que, consciente ou inconscientemente, sempre revela seu ponto de vista. A imparcialidade total é impossível.

Concluímos, portanto, que "A VERDADE VERDADEIRA" não é um elemento indispensável para o documentário. A verdade factual não precisa ser perseguida. A verdade que importa para esse tipo de filme é outra: a da experiência sobre a qual a obra trata, a verdade da experiência que o filme quer transmitir para o espectador.

No filme
Santo Forte, por exemplo, o diretor Eduardo Coutinho realiza uma série de entrevistas com brasileiros que se relacionam com a religião. As conversas giram em torno das crenças de cada personagem e de suas experiências espirituais marcantes. Um dos entrevistados conta que, certa noite, sua mulher despertou possuída pelo espírito de "Maria Navalha", entidade da Umbanda. Segundo ele, através do corpo de sua esposa, "Maria Navalha" o ameaçou de morte.

Nesse caso, a verdade que interessa ao documentarista não passa pela discussão da experiência do entrevistado. A questão importante para esse filme não é descobrir se realmente a esposa do entrevistado estava "possuída" pelo espírito de "Maria Navalha" ou se tudo não passou de um delírio (verdade factual). Discutir essa verdade talvez caiba a cientistas. Talvez caiba a teólogos. Talvez caiba a jornalistas que buscam uma matéria fantástica, sensacionalista. Mas não cabe ao documentarista, que está muito mais interessado em conhecer a experiência de seu entrevistado, em captar seu olhar, por vezes focado na recordação, por vezes assustado, mas sempre sincero. Coutinho busca dividir a experiência verdadeira de seu personagem com o espectador.

No texto
O Narrador, o filósofo Walter Benjamin diz que "a experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorrem todos os narradores". Benjamin também afirma que o excesso de informações factuais está matando a tradição humana de narrar. Bons documentaristas (como bons cineastas) são guardiões do antigo e importante hábito humano de trocar experiências.


Texto: Henry Grazinoli
Consultoria de Conteúdo: João Moreira Salles

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