O DOCUMENTÁRIO E A VERDADE: EIS A QUESTÃO
O DOCUMENTÁRIO E A VERDADE: EIS A QUESTÃO   
Fonte http://www.telabr.com.br
Um bom documentarista, geralmente, não tem a  pretensão de dizer a verdade. Chega a ser lugar-comum afirmar que é  difícil encontrar "A VERDADE VERDADEIRA", que verdades dependem muito  dos pontos de vista, que variam de cultura para cultura, de formação  para formação, de pessoa para pessoa. Dessa forma, o documentarista  trabalha com a sua verdade, buscando mais interpretar o mundo do que  revelar alguma verdade factual ou fundamental.
Tudo o que aparece num documentário passa pelo olhar do realizador, pelo  seu filtro pessoal: o que decide filmar, como decide filmar, por que  decide filmar, o que coloca e o que tira do material na montagem, a  música que utiliza, o silêncio, o depoimento que corta ou resolve  manter, a voz que oferece a um narrador. Tudo isso é manipulado pelo  documentarista, que, consciente ou inconscientemente, sempre revela seu  ponto de vista. A imparcialidade total é impossível.
Concluímos, portanto, que "A VERDADE VERDADEIRA" não é um elemento  indispensável para o documentário. A verdade factual não precisa ser  perseguida. A verdade que importa para esse tipo de filme é outra: a da  experiência sobre a qual a obra trata, a verdade da experiência que o  filme quer transmitir para o espectador.
No filme    Santo Forte, por exemplo,  o diretor Eduardo Coutinho realiza uma série de entrevistas com  brasileiros que se relacionam com a religião. As conversas giram em  torno das crenças de cada personagem e de suas experiências espirituais  marcantes. Um dos entrevistados conta que, certa noite, sua mulher  despertou possuída pelo espírito de "Maria Navalha", entidade da  Umbanda. Segundo ele, através do corpo de sua esposa, "Maria Navalha" o  ameaçou de morte.
Nesse caso, a verdade que interessa ao documentarista não passa pela  discussão da experiência do entrevistado. A questão importante para esse  filme não é descobrir se realmente a esposa do entrevistado estava  "possuída" pelo espírito de "Maria Navalha" ou se tudo não passou de um  delírio (verdade factual). Discutir essa verdade talvez caiba a  cientistas. Talvez caiba a teólogos. Talvez caiba a jornalistas que  buscam uma matéria fantástica, sensacionalista. Mas não cabe ao  documentarista, que está muito mais interessado em conhecer a  experiência de seu entrevistado, em captar seu olhar, por vezes focado  na recordação, por vezes assustado, mas sempre sincero. Coutinho busca  dividir a experiência verdadeira de seu personagem com o espectador.
No texto   O Narrador, o filósofo  Walter Benjamin diz que "a experiência que passa de pessoa a pessoa é a  fonte a que recorrem todos os narradores". Benjamin também afirma que o  excesso de informações factuais está matando a tradição humana de  narrar. Bons documentaristas (como bons cineastas) são guardiões do  antigo e importante hábito humano de trocar experiências.
Texto: Henry Grazinoli
Consultoria de Conteúdo: João Moreira Salles 
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