ÉTICA, ACIMA DE TUDO http://www.telabr.com.br
Todo documentário mostra quem é o seu realizador. Por isso, é preciso que o documentarista se conheça bem e reflita sobre como se posiciona no mundo. Sobre o que quer dizer. Sobre como quer dizer. E sobre como vai lidar com a questão mais complexa e importante relacionada ao documentário: A RESPONSABILIDADE.
A principal diferença entre documentário e ficção é que, num doc, os personagens são pessoas que têm uma vida independente do filme. Depois que o filme termina, essas pessoas continuam a viver. Um personagem de ficção, ao contrário, só existe numa história, tem sua vida extinta com o final do filme.
Um documentarista precisa saber que vai retratar pessoas sob seu ponto de vista, e que esse retrato é sempre menor que a vida real de seus personagens. E que seu filme pode trazer muitas consequências para as pessoas filmadas, influenciando diretamente suas vidas, positiva ou negativamente. Essa é uma questão crucial do documentário.
É preciso refletir muito sobre como lidar com essa responsabilidade.
Texto: Henry Grazinoli
Consultoria de Conteúdo: João Moreira Salles
segunda-feira, 26 de julho de 2010
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ÉTICA, ACIMA DE TUDO |
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O ROTEIRO IMPOSSÍVEL |
O ROTEIRO IMPOSSÍVEL
Fonte: http://www.telabr.com.brÉ difícil precisar, no caso do documentário, o processo de criação que antecede as filmagens. No caso dos filmes de ficção, é mais exato: quase todo filme de ficção tem um roteiro. As filmagens partem desse guia e, ainda que aconteçam algumas modificações, a ideia central do filme e sua narrativa estão definidas antes da chegada da equipe no set.
Com o documentário não funciona bem assim. Geralmente existe uma ideia, e essa ideia, ainda em estado abstrato, vai definir os primeiros passos a serem tomados para a realização do filme. É quase impossível escrever um roteiro preciso para fazer um doc antes de filmar.
Um documentário pode partir, por exemplo, de uma frase: "acompanhar o Lula durante quarenta dias, até a eleição" (Entreatos). Ou "fazer um filme sobre violência no Rio de Janeiro, ouvindo as pessoas que estão diretamente envolvidas nessa violência: o policial, o morador da comunidade violenta e o traficante" (Notícias de uma Guerra Particular). Ou ainda "saber como é a cabeça e como é o mundo do pianista Nelson Freire" (Nelson Freire).
Todos os filmes citados no parágrafo anterior são do documentarista João Moreira Salles. E todas as frases foram o ponto de partida, foram os "roteiros" escritos por ele antes das filmagens. A partir dessas ideias, foi feito um planejamento de produção. Entrevistados foram escolhidos e contatados. Equipe e equipamentos de gravação foram definidos.
A estrutura narrativa de cada um dos filmes também não respeitava nenhum roteiro exato antes das filmagens e da montagem. João Moreira costuma definir a estrutura narrativa de seus filmes por meio de formas metafóricas: " Entreatos é uma flecha. O que significa uma flecha? Que o tempo avança. O filme vai acompanhar a flecha do tempo. Começa no primeiro dia de filmagem e termina no último dia de filmagem". "Em Notícias de uma Guerra Particular, à medida que fui entrando em contato com a violência, surgiu na minha cabeça a forma circular. O filme se fecha em si mesmo. Ele não vai apontar nenhuma saída. É como uma cobra que morde o próprio rabo". "No caso do Nelson Freire, o que me veio foi a ideia de um filme sem estrutura nenhuma. Molecular. Em que uma sequência não gere a próxima. Não é a lógica da razão. É um filme de estrutura líquida, ao contrário do Entreatos".
É importante, ao sair para realizar um doc, ter domínio do tema a ser tratado. Pesquisas são bem importantes. Buscar ideias que possam nortear a narrativa do filme também. Afinal, andar por aí com uma câmera ao acaso, sem rumo, dificilmente vai gerar um material interessante, que possa ser montado. Como essa espécie de "pré-roteiro" para o doc vai ser escrita é outra história. Pode ser uma frase, uma sinopse de uma página ou uma tese a ser confirmada ou rechaçada. Cada realizador tem seu próprio método. A única certeza é que é na ilha de edição, com tudo filmado, que um documentário ganha o tratamento definitivo de seu roteiro.
Texto: Henry Grazinoli
Consultoria de Conteúdo: João Moreira Salles
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O DOCUMENTÁRIO COMO CINEMA |
O DOCUMENTÁRIO COMO CINEMA
http://www.telabr.com.brEstamos acostumados a relacionar o documentário com as reportagens jornalísticas a que assistimos na TV. O documentário, enquanto obra cinematográfica, não é tão difundido. Isso empobrece bastante o universo de referências de quem quer ser documentarista; afinal, um filme documental, enquanto linguagem, pode ir (costuma ir) muito mais longe do que uma simples matéria de telejornal ou do que um programa do Discovery Channel.
A tradição do documentário no cinema é riquíssima. Ele oferece, para os cineastas, um imenso potencial para a experimentação de linguagem. Sob a ótica da produção, por exemplo, um documentário é muito mais simples do que um filme de ficção. A equipe costuma ser menor. Não há tanta gente envolvida. Não há grande preocupação com maquiagens, figurinos e cenários. Não há um roteiro a ser seguido à risca. Não são utilizados tantos equipamentos. Não é investido tanto dinheiro na realização.
Esses fatores oferecem ao documentarista uma grande mobilidade, mais liberdade e maiores possibilidades de arriscar.
Isso gerou, na história do cinema, obras-primas que experimentaram e transformaram para sempre a linguagem audiovisual. Importante: a originalidade dos grandes documentários está mais relacionada à forma de tratar um tema do que ao próprio tema.
Estamos habituados a uma forma "batida" de documentário, que resume o filme aos seguintes elementos: alguns depoimentos, uma trilha sonora, uma narração em OFF que dá informações e imagens que simplesmente ilustram o que o narrador está dizendo.
Passar informações de maneira clara e direta é uma atribuição do jornalismo. O documentário cinematográfico está mais para o cinema do que para o jornalismo: busca inserir o espectador no universo do filme e acessar, acima de tudo, a emoção. Busca comunicar muito mais pela sensibilidade do que por informações factuais.
Existe o documentário jornalístico. E é claro que não se pode condenar ou subestimar esse formato. Ele é válido e pode ser bastante interessante. Mas, sob a ótica do cinema, o documentarista é um criador em busca da forma mais original, imaginativa e sincera para abordar um tema.
Texto: Henry Grazinoli
Consultoria de Conteúdo: João Moreira Salles
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O DOCUMENTÁRIO E A VERDADE: EIS A QUESTÃO |
O DOCUMENTÁRIO E A VERDADE: EIS A QUESTÃO
Fonte http://www.telabr.com.br
Um bom documentarista, geralmente, não tem a pretensão de dizer a verdade. Chega a ser lugar-comum afirmar que é difícil encontrar "A VERDADE VERDADEIRA", que verdades dependem muito dos pontos de vista, que variam de cultura para cultura, de formação para formação, de pessoa para pessoa. Dessa forma, o documentarista trabalha com a sua verdade, buscando mais interpretar o mundo do que revelar alguma verdade factual ou fundamental.
Tudo o que aparece num documentário passa pelo olhar do realizador, pelo seu filtro pessoal: o que decide filmar, como decide filmar, por que decide filmar, o que coloca e o que tira do material na montagem, a música que utiliza, o silêncio, o depoimento que corta ou resolve manter, a voz que oferece a um narrador. Tudo isso é manipulado pelo documentarista, que, consciente ou inconscientemente, sempre revela seu ponto de vista. A imparcialidade total é impossível.
Concluímos, portanto, que "A VERDADE VERDADEIRA" não é um elemento indispensável para o documentário. A verdade factual não precisa ser perseguida. A verdade que importa para esse tipo de filme é outra: a da experiência sobre a qual a obra trata, a verdade da experiência que o filme quer transmitir para o espectador.
No filme Santo Forte, por exemplo, o diretor Eduardo Coutinho realiza uma série de entrevistas com brasileiros que se relacionam com a religião. As conversas giram em torno das crenças de cada personagem e de suas experiências espirituais marcantes. Um dos entrevistados conta que, certa noite, sua mulher despertou possuída pelo espírito de "Maria Navalha", entidade da Umbanda. Segundo ele, através do corpo de sua esposa, "Maria Navalha" o ameaçou de morte.
Nesse caso, a verdade que interessa ao documentarista não passa pela discussão da experiência do entrevistado. A questão importante para esse filme não é descobrir se realmente a esposa do entrevistado estava "possuída" pelo espírito de "Maria Navalha" ou se tudo não passou de um delírio (verdade factual). Discutir essa verdade talvez caiba a cientistas. Talvez caiba a teólogos. Talvez caiba a jornalistas que buscam uma matéria fantástica, sensacionalista. Mas não cabe ao documentarista, que está muito mais interessado em conhecer a experiência de seu entrevistado, em captar seu olhar, por vezes focado na recordação, por vezes assustado, mas sempre sincero. Coutinho busca dividir a experiência verdadeira de seu personagem com o espectador.
No texto O Narrador, o filósofo Walter Benjamin diz que "a experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorrem todos os narradores". Benjamin também afirma que o excesso de informações factuais está matando a tradição humana de narrar. Bons documentaristas (como bons cineastas) são guardiões do antigo e importante hábito humano de trocar experiências.
Texto: Henry Grazinoli
Consultoria de Conteúdo: João Moreira Salles
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FAZER DOCUMENTÁRIOS É UMA MANEIRA DE SE RELACIONAR COM O MUNDO |
FAZER DOCUMENTÁRIOS É UMA MANEIRA DE SE RELACIONAR COM O MUNDO
Fonte http://www.telabr.com.br/
O impulso de pegar um caderninho, uma máquina fotográfica ou uma câmera e sair por aí, produzindo algum testemunho sobre fatos e sentimentos, é um dos impulsos básicos que movem o documentarista. Esse impulso está relacionado ao desejo de produzir um documento, à vontade de retratar um acontecimento importante e dividi-lo com outras pessoas.
Com a crescente difusão das ferramentas de realização audiovisual (é cada vez mais fácil ter acesso a câmeras, que, atualmente, estão embutidas até em telefones), é possível, para muita gente, seguir esse impulso. Diante de qualquer acontecimento importante, basta sacar uma digital do bolso e começar a gravar. Essa facilidade, no entanto, é aparente, pois fazer um documentário exige uma série de reflexões que estão muito além do simples ato de gravar algum evento ou depoimento.
A primeira reflexão importante que se apresenta é: por que, afinal de contas, esse acontecimento a ser documentado é importante? Quais são suas implicações para a vida da pessoa que registra? Quais são suas implicações para a sociedade? Quais são suas implicações para as pessoas que são objeto desse registro? Por que é interessante realizar um documentário sobre esse assunto? Essas reflexões estão relacionadas ao TEMA que será abordado no filme.
Depois, vem a reflexão sobre a FORMA: de que maneira esse assunto será abordado? Se o tema já foi explorado por outros documentaristas, o que se pode oferecer de diferente na maneira de tratar o assunto? Como construir uma narrativa original, que tenha relação direta com a temática abordada e que não caia no lugar-comum da forma documental?
Por fim, apresenta-se a reflexão sobre o próprio DOCUMENTARISTA, que deve se perguntar: por que eu escolhi tratar desse assunto? O que me atrai nesse tema? O que eu tenho como referências, como crenças, como cultura, como sensibilidade para colocar no meu trabalho? Quais são as minhas conclusões sobre o que estou documentando? Que postura vou assumir para documentar? O que é que só eu posso oferecer enquanto forma e abordagem para o meu filme? Eu estou sendo ético nessa abordagem?
Esses três tópicos de reflexão não são assim tão exatos, claro. Eles se relacionam e dialogam entre si. Aprofundar-se numa dessas questões é aprofundar-se, de certa forma, nas outras duas questões.
Por isso, fazer documentário é um ato de pensar sobre as coisas. É um ato de comunicar-se com outras pessoas. É um ato de refletir sobre si mesmo. É uma forma de se relacionar com o mundo.
Texto: Henry Grazinoli
Consultoria de Conteúdo: João Moreira Salles